“Uma organização focada nas pessoas, sem deixar de lado os resultados do negócio, alcança uma reputação que atrai talentos naturalmente.”
Inês Olano, diretora de talentos da Honeywell LATAM
Para muitas pessoas uma oferta de emprego para um cargo executivo em uma multinacional é uma grande conquista, motivo de comemoração, alegria e satisfação, mas será que todo mundo se sente assim ao receber um convite de trabalho desses?
Inês Olano, diretora de talentos da Honeywell LATAM, admite que duvidou de si mesma no momento que a convidaram para ocupar o cargo. Quando recebeu a proposta, ela estava em um momento em que precisava se dedicar a família e sentia que o fato de ser mulher dificultava a maneira de lidar com os desafios que estavam por vir, principalmente devido aos preconceitos de gênero enraizados em nossa sociedade.
O que Olano sentiu não é uma situação isolada. Um a cada três gerentes ou supervisores no mundo é uma mulher. Nesse ritmo, de acordo com uma pesquisa da ONU Mulheres, seria necessário 140 anos para haver uma equidade de gênero em altos cargos de liderança.
Em um bate-papo exclusivo para a Betterfly, Olano vai muito além da questão de gênero, discutimos o papel da liderança na construção de organizações inclusivas, diversas e igualitárias, e como tudo isso influencia favoravelmente no crescimento dos negócios.
Leia a entrevista na íntegra:
Qual é o papel da liderança nos processos de transformação das organizações?
Olano: A ferramenta de liderança mais poderosa que temos é o nosso exemplo pessoal, por isso, acredito que os líderes são essenciais em qualquer processo de mudança ou transformação dentro das organizações, pois são eles que convencem e inspiram o resto da organização a trabalhar de uma forma ou de outra. Por meio de ações intencionais e exemplos, eles influenciam na cultura das empresas.
É fundamental que os líderes sejam fortemente alinhados com os valores da empresa, tenham um propósito claro que possam transmitir aos colaboradores, bem como ousem assumir riscos e, acima de tudo, sejam capazes de comunicar com clareza e transmitir confiança sobre o futuro da empresa.
Como a cultura empresarial influencia a gestão de talentos?
Olano: A cultura organizacional é um dos fatores com maior impacto nos processos de atração, desenvolvimento e retenção de talentos. Uma organização focada em pessoas, sem descuidar dos resultados do negócio, alcança uma reputação que atrai talentos naturalmente.
Da mesma forma, uma empresa que não se preocupa em criar as condições adequadas para que seus talentos cresçam, se desenvolvam e causem impacto positivo, provavelmente terá altos índices de rotatividade e dificuldade para atrair e desenvolver os seus talentos.
A cultura é criada quando os funcionários se identificam com um propósito comum e podem contar com um ambiente onde seu esforço para alcançar resultados é valorizado e reconhecido.
Qual papel o propósito e os valores das organizações desempenham no desenvolvimento de seus talentos?
Olano: Ter uma visão de futuro e valores corporativos claros e que detalham os comportamentos esperados é fundamental para mobilizar o comprometimento dos colaboradores com a empresa.
As empresas que investem recursos e apostam no desenvolvimento do talento dos seus colaboradores são mais competitivas e geram um clima organizacional melhor, que favorece a atração e manutenção do seu talento.
A relação das pessoas com seus empregos tem se transformado radicalmente nos últimos anos. A percepção de incerteza acelerou mudanças importantes nas expectativas dos colaboradores, principalmente nos talentos mais jovens. Estas mudanças exigem valores claramente definidos, que permitam ter consciência da necessidade de se criar uma proposta de valor clara para se tornarem organizações atrativas em todas as fases do desenvolvimento de talentos.
Como líderes, devemos ser muito intencionais ao descrever o propósito de nossa organização, ser uma luz que fornece orientação para que os colaboradores atinjam os seus objetivos. Valores como consistência e coerência se convertem em um fator fundamental para garantir que os colaboradores venham para a nossa organização e, o principal, queiram ficar.
Quais são as principais características de uma cultura de liderança excepcional?
Olano: A vida mudou para todos nós e, como líderes, temos uma grande responsabilidade de estarmos cada vez mais próximos de nossas equipes, mostrando interesse genuíno em perguntar como estão, como estão suas famílias, como se sentem, o que os preocupa e o que estão aprendendo.
Nos últimos anos, tivemos que trabalhar à distância e, portanto, liderar à distância. Um elemento-chave é ter as expectativas claras. Cada membro de nossa equipe deve saber exatamente o que esperamos deles, quais objetivos são prioritários para a empresa e como cada um contribui para alcançá-los.
Os desafios que enfrentamos exigem que tenhamos uma liderança próxima e transparente, que criemos um ambiente onde prevaleça a comunicação aberta, em que possamos confiar uns nos outros e cuidar de cada um de nossos colaboradores de forma integral, cuidando de seu desenvolvimento e do seu bem-estar, para que estejamos sempre dispostos a correr riscos, para que, assim, não tenhamos medo de errar pois sempre estaremos nos apoiando como equipe.
Queremos ser um exemplo para formar futuros líderes e inspirá-los no desenvolvimento de sua liderança. Isso implica ter uma cultura que promova o cuidado de todos, que inspire dia a dia sermos melhores no nosso trabalho e, assim, sermos pessoas melhores.
Como assumir uma liderança e uma gestão de talentos com visão inovadora?
Olano: A inovação tem a ver com algo muito simples que é desenvolver a capacidade de ouvir tanto o que se diz como o que não se diz. Estar atento nos permite ir ao encontro das necessidades das pessoas com maior precisão.
Gosto muito do conceito de liderança sistêmica em que cada líder está focado em criar as condições para que suas equipes se desenvolvam e cresçam.
Como o networking influencia no desenvolvimento de talentos e incentivá-los a cultivar bons relacionamentos?
Olano: Eu acredito firmemente que nenhum objetivo é alcançado individualmente. Nossa necessidade de conexão nos impulsiona a criar e nos unir, seja em equipes de trabalho, grupos de afinidade, equipes esportivas, grupos comunitários, famílias, amigos e etc.
É cada vez mais relevante se conectar com outras pessoas para obter resultados excepcionais e isso significa ir além dos limites organizacionais, às vezes, precisamos colaborar com outras empresas para gerar impacto. Portanto, a construção de redes sólidas se torna imperativa.
As habilidades necessárias para construir redes e colaborar têm a ver com habilidades de comunicação, incluindo empatia e curiosidade. Contar com outras pessoas através da construção de redes, nos permite resolver situações ambíguas, construir pontes e conseguir um impacto positivo no ambiente em que trabalhamos.
Existem muitas formas de ajudar as pessoas a se conectarem, pode ser através de programas de mentoria, tanto com líderes internos quanto os de outras organizações, ou promovendo a criação de grupos de interesse que permitam o desenvolvimento de uma cultura mais inclusiva e diversa, onde todos tenham voz.
Como criar estruturas para integrar talentos diversos e capacitar aqueles que já fazem parte da empresa?
Olano: Definimos inclusão como o sentimento de pertencimento à uma organização ou equipe, tratando com dignidade todos os indivíduo. Este é o maior desafio de todas as organizações, criar mecanismos onde seja possível entender o valor das diferenças para que possamos estimular cada colaborador a participar plenamente com a sua singularidade, de forma autêntica.
Hoje, muitas empresas buscam a diversidade como um bem inestimável. As organizações perceberam que ter uma força de trabalho diversa vale a pena, e que criar um ambiente mais inclusivo para todos os membros da equipe é um bom negócio.
As organizações inclusivas têm mais facilidade em atrair talentos, de acordo com um estudo recente da Bain and Company, aproximadamente 65% das pessoas enxergam um ambiente inclusivo como “muito importante” ao considerar novos papéis.
Um ambiente verdadeiramente inclusivo é fundamental para a retenção de talentos e fornece uma variedade de outros benefícios tangíveis e mensuráveis.
A pesquisa mostra, por exemplo, que funcionários que experimentam uma baixa inclusão têm até seis vezes mais chances de procurar novos empregos em comparação com aqueles que experimentaram alta inclusão. Também mostra que aqueles que se sentem “totalmente incluídos” têm mais chances de promover o seu local de trabalho para outras pessoas, se tornando embaixadores da marca corporativa.
A pesquisa também destaca que um ambiente mais inclusivo torna os colaboradores de uma organização mais propensos a se sentirem livres para inovar e à vontade para desafiar o status quo. Empresas diversas e inclusivas fazem com que seus funcionários se sintam seguros para apresentar novas ideias, o que impacta diretamente na inovação.
Por que a perspectiva de gênero é necessária na liderança?
Olano: Não se trata apenas de ter mais mulheres, mas de gerar equidade que permita colocar diversas perspectivas sobre a mesa, perspectivas que trarão inúmeros benefícios para as organizações.
Mesmo após décadas de trabalho, para garantir que as mulheres participem igualmente com os homens na economia e na sociedade, a lacuna continua grande. O mundo está se beneficiando ao focar na grande oportunidade econômica de melhorar a paridade de gênero.
A equidade deve desempenhar um papel determinante na cultura empresarial?
Olano: Antes de começar a descrever como transformar a cultura empresarial por meio da Inclusão, Equidade e Diversidade, vejamos alguns conceitos-chave que nos permitem chegar a um acordo sobre o seu significado e importância:
Diversidade: refere-se à combinação coletiva de diferenças e semelhanças que inclui, por exemplo, características, valores, crenças, experiências, antecedentes, preferências e comportamentos individuais e organizacionais.
Inclusão: é a criação de um ambiente de trabalho no qual todas as pessoas são tratadas com justiça e respeito, com igualdade de acesso a oportunidades e recursos, podendo contribuir plenamente para o sucesso da empresa.
Equidade: trata-se de dar a cada um o que merece com base em seus méritos e/ou condições.
Diversidade, equidade e inclusão são relevantes nos ambientes corporativos a partir de três perspectivas fundamentais: representatividade, ou seja, ter uma força de trabalho que reflita a comunidade em que a empresa atua em todos os níveis; retenção, valorizando oportunidades de desenvolvimento para construir comprometimento e sentimento de pertencimento; e reconhecimento para criar a cultura como diferencial competitivo, o espaço onde cada um encontra seu lugar e é reconhecido pelo que traz para a empresa a partir de seu perfil único e autêntico.
Quais são os desafios para as organizações em termos de desenvolvimento de talentos para o próximo ano?
Olano: No relatório sobre as principais prioridades e tendências de RH para 2023, produzido pela Gartner, foi feito um levantamento sobre os principais desafios que as organizações irão enfrentar no próximo ano. De acordo com esse estudo, estamos enfrentando tempos incertos e confusos, já que a inflação, a escassez de talentos e as restrições globais de oferta afetam as economias e o mercado em geral.
Neste contexto, os líderes de Recursos Humanos devem avaliar e se adaptar às novas regras do jogo, gerindo muito bem os programas e as apostas que fazemos nos talentos. As expectativas dos colaboradores mudaram substancialmente, o que tem impacto na forma como os atraímos e retemos nas nossas empresas.
Os imperativos para 2023 giram em torno de:
Liderança: à medida que o ambiente de trabalho evolui, a liderança vai junto, por isso, precisamos de novas lideranças focadas nas pessoas e com uma alta dose de autenticidade, empatia e adaptabilidade aos contextos.
Mudança: é importante adotar uma estratégia de mudança que apoie os colaboradores em períodos de incerteza através de uma atitude aberta e mais colaborativa. Envolver os colaboradores da empresa em todos os processos de mudança para que eles realmente se sintam parte da evolução da organização ajudará a minimizar o cansaço e o atrito que as constantes mudanças no ambiente implicam.
Experiência do colaborador: promover o crescimento profissional e mudar a abordagem tradicional permitirá que os funcionários se conectem mais e melhor com a empresa, desejando permanecer nela pois ali enxergam um futuro para eles. O dia a dia dos colaboradores exige proximidade, colaboração e uma visão compartilhada do propósito da organização.
Recrutamento: necessitamos encontrar talentos de novas fontes, construir um mercado de trabalho interno igualitário e desenvolver programas de integração que promovam o envolvimento de novos funcionários por meio da proximidade emocional.
Estes são alguns dos desafios que as empresas terão no futuro imediato. Devemos ser propositivos ao trabalhar cada um deles para alcançar um ambiente de trabalho onde os colaboradores possam se desenvolver, crescer e, consequentemente, contribuir para alcançar os objetivos do negócio.